América do Sul: Consolidação como principal produtor de celulose não é acaso
25/11/2024
A América do Sul, sobretudo Brasil, Chile e Uruguai, tem se consolidado como principal fornecedor global de celulose e produtos derivados no mercado internacional. A posição alcançada é fruto da combinação de fatores naturais intrínsecos à região, como clima favorável, disponibilidade de terra adequada e espécies adaptadas, e altos investimentos em pesquisa, desenvolvimento, tecnologia e práticas sustentáveis por parte dos produtores.
A supremacia da região deve aumentar ainda mais nos próximos anos, com a entrada do Paraguai e possíveis investimentos na Argentina (potencialmente promovidos por uma recente reforma institucional, o RIGI – Regime de Incentivo a Grandes Investimentos), mostrando como as cadeias globais de valor podem promover integração e desenvolvimento econômico quando bem executadas.
Neste contexto, a América do Sul deverá se consolidar como importante polo fornecedor, sobretudo diante da perspectiva de crescimento adicional para o mercado global de celulose, papel e produtos derivados. O setor deverá crescer muito nos próximos anos, à medida que empresas devem intensificar seus esforços em atender agendas ambientalmente mais amigáveis e menos poluentes.
A produção global de celulose, seja ela integrada ou de mercado, ficou praticamente estagnada nos últimos 20 anos, atingindo cerca de 166 milhões de toneladas em 2023 (dados da Fastmarkets RISI). Já a produção total de celulose na América Latina mais do que dobrou nesse período, passando de 14,1 milhões de toneladas em 2004 para mais de 33 milhões de toneladas em 2023 (cerca de 20% da produção global), reflexo do aumento na capacidade produtiva, sobretudo no Brasil, mas também no Chile e Uruguai.
Analisando especificamente os dados de celulose de mercado, ou seja, aquela que é negociada no mercado global, a relevância da América do Sul é ainda maior. A produção global de celulose de mercado ficou próxima a 69,8 milhões de toneladas em 2023, sendo que o Brasil foi responsável por 19,9 milhões de toneladas e o restante da região por mais 8 milhões de toneladas, totalizando 27,9 milhões de toneladas, ou 40% da produção global (Fastmarkets RISI), com a maior parte deste volume sendo destinada ao mercado de exportação, sobretudo para a Ásia.
A América Latina como um todo somou mais de 27 milhões de toneladas adicionais de capacidade instalada na produção de celulose química desde 2000, enquanto a Europa adicionou apenas 5 milhões de toneladas e a Ásia outros 4,3 milhões de toneladas. As demais regiões registraram fechamentos de capacidade. Desses 27 milhões de toneladas, mais da metade foi adicionada na última década, tendo, portanto, concentração mais recente.
A consolidação da América do Sul no setor não é obra do acaso: empresas locais e estrangeiras investiram muito em tecnologia e desenvolvimento para aprimorarem clones e mudas altamente produtivas de celulose, especialmente o eucalipto para a produção de fibra curta no Brasil, impulsionando a capacidade instalada regional.
O principal componente de custo da produção de celulose de fibra curta no Brasil é com madeira, que representa mais de 40% dos custos totais do produto. Depois, somam-se os custos com químicos e outros materiais a no máximo 25% dos custos totais. Custos de transporte equivalem a outros 25%, e o restante fica para os gastos com energia e pessoal (Fastmarkets RISI).
Diante da importância dos custos com madeira, ter florestas altamente produtivas e de alto rendimento é crucial para o setor, que combina biotecnologia com clima favorável para obter rendimentos acima da média global. A produtividade da eucaliptocultura brasileira fica entre 30-40 m³/ha, similar às taxas vistas no Chile ou na Austrália, ao passo que, em tradicionais fornecedores de madeira, como os países nórdicos, conseguem cifras bem mais modestas em torno de 4 m³/ha.
A produtividade local é explicada por mudas geneticamente melhoradas e pelo clima adequado às espécies locais no Brasil e Chile para produção de fibra curta e fibra longa. Aqui, um eucalipto leva cerca de 8 anos para estar pronto para o corte comercial, ao passo que as árvores tradicionais nas florestas europeias precisam de quase o dobro deste tempo para se desenvolver e fornecerem madeira para a indústria.
A América do Sul apresenta várias vantagens competitivas na produção de celulose quando comparada a outras regiões, como a Europa e a América do Norte. Na Europa, a produção de celulose enfrenta desafios devido à disponibilidade limitada de áreas para plantio e clima pouco favorável à atividade. Por outro lado, a produção na América do Norte, embora ainda significativa, enfrenta custos mais altos relacionados a mão de obra, madeira e regulamentações.
A sustentabilidade tem se tornado um diferencial competitivo para a América do Sul, sendo que a indústria de celulose na região tem investido em práticas de manejo florestal sustentável e rastreabilidade, que não apenas atendem às expectativas do mercado, mas também garantem a preservação da biodiversidade e a recuperação de áreas degradadas de forma eficiente. Isto ganha ainda mais relevância às vésperas da vigência da EUDR – a regulação europeia anti-desmatamento, que deve afetar os mercados globais de produtos de uma forma generalizada ao impor restrições mais duras para a venda de produtos na região.
E quando olhamos para o futuro, é nítida a vocação da América do Sul para se consolidar como principal fornecedora global de celulose e produtos derivados. Somente em 2023, a região viu o início das atividades da planta Paso de los Toros da UPM no Uruguai, expansões no Brasil com a Klabin na planta de Ortigueira, além do ramp-up de unidades inauguradas entre 2021 e 2022, dentre outros projetos. Em 2024, a Suzano inaugurou uma nova linha em Ribas do Rio Pardo no Brasil (Projeto Cerrado), ao passo que a Bracell ampliou a sua produção de celulose integrada à fabricação de papel tissue no interior de São Paulo.
Acompanhando ampliações de capacidades no Brasil, Chile e Uruguai, o Paraguai deve também se juntar à lista de importantes fabricantes sul-americanos de celulose com a inauguração da planta da Paracel em 2027, adicionando mais 1,8 milhão de toneladas/ano à capacidade produtiva regional. Investimentos na Argentina também podem acontecer nos próximos anos com a vigência do RIGI recém-publicado, eventualmente destravando investimentos no setor no país, que havia ficado de fora da rota de investimentos no setor nos últimos vinte anos.
Além disso, inovações tecnológicas na produção de celulose, como o uso de biotecnologia e processos químicos mais eficientes, têm permitido que as empresas sul-americanas reduzam seus custos e aumentem a qualidade do produto final, se inserindo em cadeias de valor mais rentáveis e, ao mesmo tempo, sustentáveis. Esses avanços qualificam a América do Sul como um centro de excelência na produção global de celulose, capaz de atender à demanda crescente por papel e produtos derivados.
(Fonte: Portal Packaging, 14 de novembro de 2024)