Brasileiros criam plástico biodegradável, comestível e antimicrobiano
23/02/2022
A procura por novos materiais renováveis e sustentáveis que podem ser alternativas para a indústria em diversas áreas é tema de inúmeras pesquisas, tanto dentro da indústria como nas universidades.
Estudo realizado pelo Grupo de Compósitos e Nanocompósitos Híbridos (GCNH) do Departamento de Física e Química da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Ilha Solteira, trouxe contribuição importante nesse sentido. O trabalho teve apoio da FAPESP e os resultados foram divulgados na revista Polymers.
Para fabricar seu “bioplástico” – ou “plástico verde”, como também é chamado –, o grupo utilizou como matéria-prima principal a gelatina incolor de tipo B, extraída do tutano de boi e facilmente encontrável em supermercados e outros estabelecimentos comerciais.
“A gelatina foi um dos primeiros materiais usados na produção de biopolímeros e continua sendo muito empregada devido à sua abundância, baixo custo e excelentes propriedades para a formação de filmes”, diz a Química Márcia Regina de Moura Aouada, Professora da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (FEIS-UNESP) e coordenadora do estudo.
“No entanto, embalagens à base de biopolímeros exibem, de modo geral, características que precisam ser melhoradas para se tornarem equiparáveis às obtidas a partir do petróleo. Isso se refere especialmente às propriedades mecânicas e de barreira a vapores. Por esse motivo, adicionamos à gelatina a argila cloisita Na+”, conta a pesquisadora.
Com a adição da argila, foi obtido um filme mais homogêneo, capaz de suportar, na média, trações da ordem de 70 megapascals (70 MPa). Nos plásticos convencionais, à base de polietileno, a resistência à tração costuma variar entre 20 MPa e 30 MPa – menos da metade da alcançada com o bioplástico.
“Além da argila, acrescentamos também à mistura uma nanoemulsão de óleo essencial de pimenta-preta. O objetivo, no caso, foi conseguir uma embalagem comestível mais atraente em termos de sabor e odor. E que, além disso, pudesse estender a vida útil do alimento embalado por meio da adição de componentes antimicrobianos e antioxidantes à matriz polimérica”, afirma.
Vale ressaltar que o bioplástico em pauta foi projetado para embalar carne bovina na forma de hambúrgueres – um alimento bastante suscetível à contaminação microbiana e que apresenta odor muito pronunciado. Mas o princípio geral de adicionar argila e nanoemulsões de óleos essenciais à matriz de gelatina pode e deverá ser estendido a outros tipos de alimentos – variando-se, caso a caso, o tipo de óleo essencial e a proporção empregada.
“A inclusão desse tipo de embalagem no mercado poderá proporcionar um decréscimo significativo na utilização de embalagens à base de polímeros não biodegradáveis, evitando, assim, o acúmulo de resíduos sólidos. Além disso, o bioplástico deverá aumentar a segurança dos alimentos embalados em relação à contaminação por patógenos e contribuir para a diminuição de perdas”, comenta a pesquisadora.
As linhas de pesquisa desenvolvidas no GCNH-UNESP baseiam-se no conceito de “economia circular”, que transforma resíduos em recursos. Os líderes do grupo, Professores Fauze Aouada e Márcia Aouada, são credenciados no programa de Pós-Graduação em Ciência dos Materiais (PPGCM) da UNESP.
“Nossas propostas enquadram-se nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para mitigar a pobreza, favorecer a sustentabilidade econômica do planeta e assegurar mais paz e prosperidade à população mundial”, enfatiza Márcia Aouada.
Além do bioplástico mencionado, o grupo produz curativos a partir de celulose bacteriana. E embalagens comestíveis contendo nanoestruturas derivadas de purê de couve, purê de cacau, purê de cupuaçu, extrato de camu-camu e nanoemulsões, com potencial de aplicação nas indústrias de alimentos, fármacos e cosméticos.
A pesquisa é apoiada pela FAPESP por meio de um Auxílio Regular à Pesquisa e também por meio do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
A investigação é conduzida em rede, com contribuições de vários pesquisadores engajados no tema. O artigo citado nesta reportagem é também assinado por Tascila Saranti, Mestre no PPGCM-UNESP; Pamela Melo, Doutora pelo PPGCM-UNESP e atualmente pós-doutoranda no grupo GCNH- UNESP; Miguel Cerqueira, Pesquisador no International Iberian Nanotechnology Laboratory, em Portugal; e Fauze Aouada.
(Fonte: Galileu, 06 de fevereiro de 2022)